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A “Manaus Ai”

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Segundo o jornal, o Tribunal de Justiça do Amazonas estuda transformar o estádio em um “centro de triagem” de presos – ou mais objetivamente: uma cadeia provisória.

O segundo alvorecer da engenhosidade manauara foi a ideia, também repercutida na imprensa amiga, de instalar na Ponta Negra uma Roda Gigante Gigantona às margens do Rio Negro. A proposta, segundo o prefeito Arthur Neto, é de “um empresário” que estaria querendo construir no local a versão amazonense da London Eye, o imenso mirante móvel londrino, espécie de bondinho giratório que permite aos turistas uma vista espetacular do skyline da cidade.

Todos quiseram comentar as notícias. Os felizes disseram que seria ótimo. Os amargos que seria uma ideia de jerico. Para além do rococó típico do debate, é útil informar:

a)      Inaugurada em 1999 – portanto há 14 anos –, a London Eye custou aos ingleses 75 milhões de libras. Pelo câmbio de hoje, 264 milhões de reais. Em valores atuais e descontada a safadeza nacional, a construção consumiria em Manaus uns 400 milhões de reais. Com a safadeza, esse valor pode ser acrescido em até 100%;

b)      O empreendimento foi inteiramente privado, e os ingressos custam hoje entre 20 e 300 libras, dependendo do que se queira – há diversos pacotes à disposição, oferecidos pela Merlin Entertainment, que assumiu o brinquedo em 2008, depois que a British Airways deixou o patrocínio; Quem vai construir o “Olho de Manaus”? Quem vai investir 300, 400 milhões numa atração turística cara e rodeada de deficiências estruturais, como o acesso aéreo à cidade, a falta de mobilidade, o transporte ruim, as acomodações péssimas e o nível de atendimento vergonhoso?

c)       A London Eye transporta até 15 mil pessoas por dia. É uma das atrações turísticas mais procuradas da cidade, que em si recebe muitos turistas. Além disso, os turistas têm uma das maiores, mais antigas e mais tradicionais metrópoles do planeta. De lá é possível ver o parlamento, o castelo de Windsor, o Big Ben, todo o Tâmisa etc. Teremos 15 mil pessoas diariamente para comprar ingressos e compensar o investimento? Além do majestoso Rio Negro, que outra vista será oferecida  ao turista? Iranduba? O Aeroporto Eduardo Gomes? A sede do SIPAM? O Forró do Bagaça?

d)      É implicância, claro, mas o que poderá ser visto do “Olho de Manaus” depois das 19h? O pôr-do-sol deverá ser o mais lindo da Terra, mas e depois? Fecham-se as portas? À noite, o Rio Negro é um imenso buraco… negro;

Meu amigo Rodrigo Araújo juntou as duas notícias e deu uma ideia no Facebook: com o dinheiro da Arena Amazônia daria para construir rodas gigantes suficientes para fazer a triagem de presos de uma forma muito mais divertida. Há centenas de usos que podem ser feitos com a Arena. Em Cabul e no Chile estádios eram usados para execuções. Desde Roma os presos eram levados a lugares assim, postos para lutar até a morte. Não é muito difícil imaginar um imperador amazonense decretando a vida ou a morte dos gladiadores da Família do Norte e do PCC, né?

Claro, precisamos dar um desconto à turma do “quanto pior melhor”, onde sempre me incluem nas redes sociais. Não me importo, até porque é a turma que está sempre certa. Só defendo que se deboche das ideias geniálicas amazonenses pelos motivos certos. Estão aí a Arena Amazônia e a Ponte Rio Negro, portentos da engenharia que nos custarão dois bilhões de reais. Os netos que ainda não tenho vão ter que pagar por eles, e eu não posso debochar do otimismo, ingênuo ou malandro, de uns e outros que sempre recebem esses projetos com fogos de artifício? Não é um tanto injusto que o contribuinte, que nada pode fazer para impedir a gandaia, seja impedido até de fazer cara feia?

Meu problema não é com a Arena Amazônia, é com o que não há em volta dela. Não seria também com o “Olho de Manaus”, mas com o que não há no entorno dele. É preciso que a torcida organizada dos nossos Odoricos aceite que há gente que não vai atrás do trio elétrico. Por mim, Manaus teria seu “Olho de Manaus”, seu “Wembley”, seu “Palácio de Buckingham”. O que critico sempre é por que essa mania de colocar a cereja mais cara do mundo sobre um bolo solado que precisa ser refeito. Se é para ser londrino, vamos implantar o metrô! Se é para ser londrino, vamos inovar nas escolas e nos hospitais!

Porque o sucesso da London Eye não é a roda gigante em si, mas a vista que ela proporciona; Londres tem a maior malha de metrô do mundo, o mais movimentado aeroporto do mundo, índices de criminalidade ridículos, qualidade de vida e sistemas de turismo invejáveis até dentro da Europa. Assim como a importância das pontes mundo afora está no que elas ligam, e não na “iluminação cênica” que exibe em homenagem aos autistas, ao câncer de mama, à seleção brasileira. Construir um pisca-pisca colorido de 1,2 bilhão de reais é que é amargo, amigos. Há quatro anos Manaus viraria Londres com as obras da Copa. Hoje estamos pensando em transformar a única que foi construída… em cadeia.

É chato mesmo. Para aqueles viciados em felicidade de trio elétrico, quem reclama está com algum problema sexual. Estas pessoas sempre reagem às críticas resmungando assim: “Lá vem esse cara novamente, com a mesma conversa de educação e saúde!”

Deve ser porque a gente pensa algo parecido, mas com o sinal invertido: “Lá vêm estes caras de novo, com a mesma conversa de maior roda gigante, maior ponte, maior estádio!”

Me provem que o “Olho de Manaus” vai ser privado. Se for privado, serei entusiasta da ideia, mesmo que dê errado.

No dia em que as ideias geniálicas amazonenses começarem a dar certo, eu mudo para o lado de vocês.

Por hora, estou ganhando.


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