O título do texto, “Razões para NÃO reduzir a maioridade penal”, é justificado, de antemão, pelo argumento estranho de que quem escreve é também um aluno da Cásper Líbero. Tanto é que Vinícius começa assim seu texto: “O crime chocou não só pela banalização da vida – Victor Hugo entregou o celular ao criminoso e não reagiu –, mas também pela constatação de que a tragédia poderia ter acontecido com qualquer outro estudante da faculdade.”
Então, presume-se, o perigo de ser assassinado em frente de casa é exclusivo dos estudantes da Cásper? Todos sabemos que não.
Mas o ponto não é este. O artigo de Vinícius é apresentado com uma “linha fina” de apresentação, acredito que por conta dos editores do site da Revista Fórum, que diz: “Estudante da Casper Líbero escreve artigo sobre o tema e questiona: o objetivo é tentar reduzir a violência ou atender a um desejo coletivo de vingança?”
Confesso, Alfredo, que a tentação de terminar a leitura ali mesmo foi grande, pela pequenez do argumento. Sendo a revista uma publicação de esquerda, eu esperava que o texto fosse começar com algum ataque aos reacionários que defendem mudanças na lei, ou que alguma charge iria expor direitistas algemando crianças no berçário – como já vi rodando pela internet. Mas não: Vinícius diz (fingindo ser isso uma pergunta) que estamos querendo nos vingar, e não fazer justiça.
Argumento tolo, raso, simplista. Falo por mim, já que o Alfredo me indicou o texto pessoalmente. Sempre fui contra a redução da maioridade penal, especialmente aquela cobrada pela sociedade após crimes bárbaros. Brasileiro sabe como é brasileiro, né? A gente sabe que, reduzida a maioridade penal aos 16 anos, por exemplo, nossos traficantes vão recrutar meninos de até 15 para fazer seus serviços. Mas o que poderia ser um argumento vencedor – porque baseado no conhecimento que temos de nós mesmos – também é fraco, porque seus autores imaginam que, a pedido da direita maldosa, a maioridade vai ser reduzida seguidamente, até que estejamos algemando bebês que peguem o chocalho do coleguinha de creche. É reduzir um debate ao deboche, não?
Então falemos a sério. Não há coisa mais nociva à humanidade e ao debate social do que a ideologização política de absolutamente tudo. Já falei a respeito, mas tenho que repetir. Há um checklist do esquerdismo e outro do direitismo, e o debate acabou. Sobrou apenas a desqualificação do outro, porque estamos ocupados demais para pensar e avaliar o que ele está dizendo.
Olha aonde a politização do debate pode levar: o site Brasil de Fato, de esquerda, tem um texto de José Francisco Neto intitulado “Homicídio representa 1,5% das internações de jovens infratores” e começa assim: “Dados da Fundação Casa demonstram que 1,5% dos internos no estado de São Paulo cometeram homicídio. (…) A responsabilização criminal de menores voltou a ser pauta após a morte do jovem de classe média Victor Hugo, na semana passada, na cidade de São Paulo. Um dos principais defensores da proposta é o governador Geraldo Alckmin (PSDB), com amplo apoio de setores da imprensa.”
O José Francisco queria mesmo era colocar um “apenas” ali, antes do “1,5%”, mas ia ficar feio, né? A intenção era dizer “Dados da Fundação Casa demonstram que APENAS 1,5% dos internos no estado de São Paulo cometeram homicídio”. Soube que há mais textos da esquerda que assumem essa intenção. Houve quem disse que “apenas 0,9% das infrações são latrocínios”.
O mais grave, pra mim, foi aquele “jovem de classe média” ali, dito como quem não quer nada, mas quer tudo. Porque essas duas palavrinhas, “classe média”, escondem o mais importante de toda a polêmica: só quem se indignou com o tiro que Vitor Hugo tomou na cara foram aqueles iguais a ele, brancos, de classe média, universitários, filhos de pais que trabalham. Esse é o argumento que um José Francisco tem, mas que precisa enxertar em seu texto assim, meio covardemente, para que ninguém pense que ele achou bom um “jovem de classe média” ter morrido.
O alvo, além da cara dos jovens de classe média, é a cara do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, quem vem a ser um “político do PSDB”, que deve ser o paralelo político equivalente ao “jovem de classe média” dispensado ao morto, Vitor Hugo. Segundo José Francisco, a ideia de reduzir a maioridade penal é coisa do tucano e do PIG. Portanto, é coisa do inimigo.
Tenho lido quem escreve à direita e à esquerda de tudo, até quando o assunto é a preferência por manteiga ou margarina – acredite, esse pessoal consegue ideologizar tudo. Na direita, pasme, as acusações à imprensa são exatamente as mesmas. Só que com o sinal trocado. Para os direitistas, a imprensa anda fazendo o jogo das esquerdas e atenuando a responsabilidade do assassino. Para a esquerda, a imprensa está ao lado de Alckmin e não do “jovem assassinado na porta de casa”, mas do “jovem de classe média”.
Sinceramente, eu me abstenho de tentar analisar como pode alguém transformar um garoto de 19 anos, assassinado quando voltava do trabalho, na porta de casa, em um “representante adolescente do time adversário”!. Vitor Hugo agora é chamado de “jovem de classe média”!
Por essa lógica, olha no que pode dar a obsessão de “esquerdizar” tudo na vida: Martin Richard, de oito anos de idade, foi partido ao meio por uma bomba, colocada numa panela de pressão na linha de chegada da maratona de Boston, no último domingo. Estava esperando o pai cruzar a linha de chegada. Agora, sabe-se que a bomba que o matou foi colocada ali por dois jovens chechenos, aquele povo frequentemente agredido pela Rússia por sua aspiração separatista. Deduz-se, portanto, que esses dois são representantes do pensamento de esquerda no Brasil, não? Adversários do “grande opressor”? Revolucionários? Pois é, cadê o jornalista José Francisco Neto, do site Brasil de Fato, para chamar o pequeno Martin Richard de “criança de classe média”? Ou de “criança estadunidense”? Ou “pequeno imperialista”? Afinal, vítimas históricas são os chechenos e o mundo só está chocado porque quem morreu foi uma “criança americana de classe média”, não?
O garoto Martin Richard, em sua sala de aula estadunidense, com pincéis estadunidenses, cabelo bem cortado, roupinha limpa e unhas bem cortadas, pedindo paz claramente por desprezar as condições em que vive o povo checheno. As vítimas estão vivas, o pequeno representante do mal morreu.
Tenho um filho, o Alfredo tem três. Sabemos, eu e ele, que nossos garotos não são “jovens de classe média”, e sim meninos normais, que estudam em boas escolas, que vão fazer faculdade e vão ter bons empregos, que namoram – ou vão namorar –, que jogam videogame, que têm amigos, que têm pais que têm carros na garagem, que estudam inglês, passeiam de barco, viajam para a Disney, ouvem rock americano.
Então por que Vitor Hugo, que era exatamente igual aos nossos filhos, com direito ao que qualquer garoto tem o direito de ter, precisa virar APENAS um “jovem de classe média”, transformado nisso porque caiu na boca não do país inteiro, mas do tucano Alckmin?
O menino que o matou é pobre, drogado, não teve escola, cultura, lazer, oportunidades? OK! Mas o outro está enterrado, minha gente! Que história é essa de achar atenuantes ideológicos e sociais para diminuir o peso do assassinato de um cidadão desarmado e rendido?! Por que, para fazer justiça social, é necessário agredir inocentes que tiveram a petulância de ter uma vida normal, saudável, feliz?!
Não aceito que Vitor Hugo, que poderia ser o meu Marcos, vire um “jovem de classe média” na boca de um jornalistazinho de meia tigela que se levanta e se deita todo dia pensando em direita e esquerda, levando o cadáver de um inocente para uma luta de classes podre, fedorenta, arcaica, burra, vazia, hipócrita e sem vergonha.
O governador não pediu a redução da maioridade penal. Pediu que a permanência dos jovens infratores em casas de recuperação não seja limitada aos 21 anos, dependendo do crime cometido. Alckmin defende que esses adolescentes continuem separados de criminosos adultos, que continuem gozando de uma legislação penal especial, mas que o tempo de permanência nas unidades de recuperação possa ser revisto. Há gente defendendo a redução geral da maioridade penal, de forma que meninos de 7, 8 anos poderiam ser processados e julgados como adultos. Não é o que pediu o governador.
Continuo achando que reduzir a maioridade não vai resolver o problema. Crimes como o de Vitor Hugo ainda vão ocorrer novamente, como ocorrem em qualquer país do mundo. Não defendo hoje a discussão do tema porque o Vitor Hugo morreu, mas porque está claro, cristalino que a permanência de seu assassino numa fundação por três anos, quando será liberado sem manchas no currículo e poderá virar amigo de nossos filhos, é uma baita anomalia legal brasileira. Acabaram os argumentos, sinto informar o “colega” de Vitor na Cásper Líbero. Porque seu ponto erra no princípio, o de achar que só quem se chocou com a morte de Vitor Hugo foram os burgueses da classe média.
Vamos oferecer mais lazer, esporte, oportunidades, cultura e educação para nossos jovens pobres da periferia. Vamos! Mas por favor, pelo amor de Deus, vamos separar aqueles que infelizmente ainda são pobres sem lazer, esporte, cultura e oportunidades mas nunca meteram uma bala na cabeça de ninguém, daqueles que ainda são pobres sem lazer, esporte, cultura e oportunidades, e por causa disso meteram uma bala na cabeça de um garoto igual a eles.
Não existe injustiça social, amigos da esquerda, que justifique uma bala na cara de ninguém!
Nem do garoto assassinado. O nome dele é Vitor Hugo, e não “jovem de classe média”!
Assim como o meu filho se chama Marcos Vinícius, e não “criança de classe média”!